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Continuam os protestos em Tbilisi. Porque é que a Geórgia se está a aproximar da Rússia?

Tbilisi volta a protestar. Todas as noites, desde há uma semana, apesar das detenções e do uso de gás contra os manifestantes. O motivo dos protestos em frente ao edifício do parlamento georgiano é o reinício dos trabalhos sobre a chamada Lei dos Agentes Estrangeiros. Se for promulgada, os meios de comunicação social e as ONG que recebem pelo menos 20 por cento dos financiamento estrangeiro, serão registados como agentes de influência estrangeira.

A Rússia promulgou uma lei semelhante em 2012. Na década que se seguiu, ajudou o governo do Kremlin a reprimir os meios de comunicação social e as ONG independentes. É por isso que a lei proposta pelo governo do partido Georgian Dream é chamada de “russa” pelos manifestantes. Esta analogia é reforçada pelo facto de o partido no poder, juntamente com a Igreja Ortodoxa de estilo russo, ter criticado durante anos a promoção dos valores europeus.

De acordo com as sondagens de opinião, 85-90% dos Os georgianos apoiam a orientação pró-europeia do seu país. A Lei dos Agentes Estrangeiros é mais um gesto de poder contra esta tendência. De facto, a sua política cautelosa em relação à Rússia contrasta com a condenação pública da invasão russa da Ucrânia. Ao mesmo tempo, tudo aponta para que o Sonho Georgiano volte a ganhar nas eleições parlamentares de outubro.

De que se trata? Vou tentar esclarecer esta questão com o perito do PISM na matéria. países do Cáucaso Meridional, Wojciech Wojtasiewicz.

Porque é que o sonho da Geórgia precisa de uma lei sobre agentes estrangeiros?

O partido no poder já tinha tentado introduzir uma lei semelhante em março do ano passado. Retirou-se do processo após violentos protestos e críticas dos seus parceiros ocidentais. Hoje, afirma que a “oposição radical” enganou os cidadãos e que a lei é necessária para combater os “valores pseudo-liberais” impostos por estrangeiros e para promover a “transparência” nas actividades dos meios de comunicação social e das ONG.

– Na verdade, a lei visa-os, comenta Wojciech Wojtasiewicz do PISM. – A ideia é que não devem esperar que as autoridades, antes das eleições parlamentares do outono, reduzam o seu poder de influenciar a opinião pública.

Alguns especialistas georgianos especulam que o regresso da lei é o resultado da exposição do Kremlin na Geórgia, nomeadamente do partido no poder, o Sonho Georgiano, e do seu líder informal, o oligarca Bidzina Ivanishvili. Outras teorias afirmam que o sonho georgiano está a jogar com a Rússia devido à crença na derrota inevitável da Ucrânia. Wojtasiewicz aborda estas hipóteses com cautela. – Parece que a cruzada contra os valores europeus é sobretudo uma tentativa de mobilizar um eleitorado conservador e religioso antes das eleições de outubro que é crítico, por exemplo, dos direitos LGBT+.

Quem está a protestar contra o projeto de lei?

Se for breve – jovem, culto, de um grande centro (fora de Tbilisi é difícil falar de tal na Geórgia). As dezenas de milhares de pessoas que se aglomeram na Avenida Rustaveli são impressionantes, a bolha mediática e cultural está a sofrer uma sincera e legítima intensificação. É pouco provável que a maioria dos georgianos se preocupe com a nova lei. Isto não é surpreendente – a vida está a piorar para o georgiano estatístico, o custo de vida está a aumentar e os empregos são cada vez mais difíceis de encontrar. A turbulência da pandemia e da guerra não favorece o desenvolvimento do turismo – o sector mais importante da economia georgiana – e faltam ideias para uma nova Geórgia.

Os protestos carecem de uma base política – a oposição georgiana continua fraca e fracturada, e os representantes do terceiro sector não aderem à grande política. – O Movimento Nacional Unido [partido associado ao antigo Presidente Mikheil Saakashvili – nota do autor], em segundo lugar nas sondagens, tem um forte eleitorado negativo e os outros partidos estão a equilibrar-se na fronteira do limiar eleitoral”, enumera Wojtasiewicz. – As ambições dos líderes individuais são mais importantes do que o pensamento pró-Estado. Consequentemente, 30 a 50 por cento dos inquiridos estão a fazer sondagens há anos. Os georgianos dizem que não há ninguém em quem votar.

O governo da Geórgia está a seguir uma política pró-russa?

É complicado. A nível declarativo, o Sonho Georgiano tem prosseguido a sua política de aproximação ao Ocidente desde que chegou ao poder em 2012. O dinheiro ocidental está a entrar no país, os georgianos podem viajar para os países da UE sem visto desde 2017 e, em dezembro passado, foi concedido à Geórgia o estatuto de candidato à UE – sujeito a condições que ainda não cumpre.

Ao mesmo tempo, o partido procura manter relações correctas com a Rússia. O antigo colonizador continua a ser um parceiro comercial importante para a economia da Geórgia. É também o núcleo empresarial do oligarca Bidzina Ivanishvili, outrora primeiro-ministro, depois eminência parda e agora presidente honorário do partido do poder. A Geórgia também evita gestos duros contra o seu “irmão mais velho” – por exemplo, não aderiu às sanções europeias contra a Rússia, apesar da pressão da comunidade internacional.

– A Geórgia está a manobrar entre a Europa e a Rússia, mas desde a invasão total da Ucrânia pela Rússia, a sua política tem sido cada vez mais pró-russa, avalia Wojtasiewicz. – A conceção do chamado A lei sobre agentes estrangeiros constitui um obstáculo no caminho da Geórgia para a União Europeia. Este facto é criticado por Bruxelas e Washington e elogiado pela Rússia. Se a Geórgia adotar esta lei, não está em causa o início das negociações de adesão, que estavam previstas para o final do ano.

O que é que a sociedade georgiana tem a dizer sobre isto?

Generalizando, os georgianos não gostam da Rússia. Na memória colectiva, o vizinho do Norte é um colonizador que se interpôs no caminho da soberania da Geórgia durante séculos. Moscovo apoia a independência das repúblicas separatistas da Abcásia e da Ossétia do Sul, o que, numa perspetiva georgiana (e internacional), equivale a uma ocupação de 20%. as suas áreas.

Além disso, houve um breve conflito armado entre a Geórgia e a Rússia em 2008, que poderia ter sido prolongado se apenas a Rússia o tivesse desejado. O trauma desses dias supera a nostalgia da URSS, típica de grande parte da geração mais velha. Daí a forte solidariedade com a Ucrânia, visível no espaço público georgiano em quase todas as ocasiões.

No entanto, os georgianos têm consciência de que, em caso de confronto com a Rússia, ninguém os ajudará. Quantos soldados não enviariam em missões da NATO, quantos voluntários não morreriam na frente ucraniana – o Ocidente não mexeria um dedo para garantir a sua segurança. Por conseguinte, o comportamento conservador do governo não é muito controverso e os principais políticos estão a assustar os georgianos para a guerra. – Alegam que a condição da UE para iniciar as negociações de adesão é aderir às sanções anti-russas, o que acabaria por “abrir uma segunda frente”, ou seja, o ataque da Rússia à Geórgia, explica Wojtasiewicz. – Esta é uma narrativa habilmente orientada, porque os georgianos estão a ver o que se passa na Ucrânia e têm medo de um cenário desses.

Wojtasiewicz alerta também para o risco de sobrestimar o elevado apoio à UE nas sondagens. – Tal como aconteceu com os polacos em 2004, os georgianos associam o Ocidente a uma vida melhor, a mais dinheiro na carteira e à possibilidade de ir para o estrangeiro, explica o especialista. – Isto não implica automaticamente o apoio aos valores ocidentais no estilo do respeito pelos direitos humanos. Por conseguinte, um georgiano estatístico pode ser a favor da adesão da Geórgia à UE e, ao mesmo tempo, apoiar a política conservadora e mesmo pró-russa do governo georgiano, porque a visão da adesão é vaga e a vida à sombra da Rússia decorre aqui e agora.

O que é que vai acontecer a seguir?

Wojtasiewicz vê dois cenários possíveis para a evolução. No primeiro, o Sonho Georgiano verá as emoções por detrás dos protestos a esgotarem-se. O processo legislativo relativo ao projeto de lei sobre os agentes estrangeiros é moroso – os protestos eclodiram após a primeira leitura e a terceira e última leitura só deverá ter lugar a 17 de maio.

O segundo cenário possível é a escalada, de acordo com o especialista. Isto pode acontecer especialmente se o Sonho Georgiano decidir resolver os protestos pela força. A história recente da Geórgia mostra que os seus cidadãos são capazes de protestar até ao limite e de reagir com nervosismo à violência das autoridades. – No entanto, seria necessário um líder para uma revolução tão pequena ou tão grande”, estipula Wojtasiewicz. – Se houver negociações entre os manifestantes e as autoridades, quem é que vai a essas negociações do lado da oposição? Este tem sido o maior problema da política georgiana desde há anos – não existe uma alternativa atractiva que possa tornar-se um contrapeso à elite no poder.

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Wojciech Wojtasiewicz – Analista de investigação. Cáucaso do Sul no Instituto Polaco de Assuntos Internacionais. Cobre a política externa, a política interna e os assuntos sociais da Geórgia, da Arménia e do Azerbaijão. Licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Jaguelónica. No passado, foi funcionário do governo e das autarquias locais e jornalista especializado no espaço pós-soviético.

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Financiado pela União Europeia. Os pontos de vista e opiniões expressos são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente os pontos de vista da União Europeia ou da Direção-Geral da Justiça, Liberdade e Segurança. Redes de comunicações, conteúdos e tecnologias. Nem a União Europeia nem o organismo de financiamento são responsáveis por eles.

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