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A quase-esquerda nacional tem um parlamento e vai ter um presidente

Peter Pellegrini é um favorito tão claro nas eleições presidenciais de 23 de março que a sua vitória pode ser assumida antecipadamente.
Krytyka Polityczna

A primeira volta das eleições presidenciais terá lugar na Eslováquia no sábado, 23 de março. Pode presumir-se antecipadamente que será ganho por Peter Pellegrini, cujo partido Voz – Social-Democracia permanece numa coligação governamental com o SMER corrupto, quase de esquerda e nacionalista do primeiro-ministro Robert Fica.

No dia 26 de janeiro, Liptovský Mikuláš estava, como habitualmente à noite, especialmente no inverno, vazio. Até o famoso urso ainda não fez uma viagem à cidade. Apenas por baixo da igreja de Santa Maria Virgem. No final da zona pedonal, junto à praça do mercado, na igreja de S. Nicolau, juntou-se uma grande multidão.

– Não se pode fazer tudo! – gritava um ativista que falava da tribuna, dirigindo as suas palavras ao governo do primeiro-ministro Robert Fica, que, à frente do partido populista nacionalista de esquerda SMER, acabava de demolir todo o sistema de mudança que tinha sido introduzido sob o lema “Por uma Eslováquia justa”, após o assassinato do jornalista de investigação Jan Kuciak. – Não conseguirão arrastar a Eslováquia de volta para o pântano da corrupção!

Os presentes aplaudiram e gritaram o mesmo. No entanto, parece que o aparentemente amaldiçoado para a eternidade política Fico, que regressou ao poder após quatro anos com um estrondo, pode fazer o que quiser. Quer, por exemplo, garantir que ele e os seus colegas de partido não sejam responsabilizados pelos crimes dos seus anteriores governos de que é acusado? E aqui está.

Ainda em fevereiro, liderou o parlamento na votação de uma alteração ao Código Penal, que aboliu o chamado “código penal”. Procuradoria Especial, uma unidade criada especificamente para tratar de casos de corrupção entre os políticos mais importantes do Estado, bem como em instituições difíceis de controlar, como a polícia ou os tribunais. Além disso, o Ministério Público Especial estava a tratar do caso do próprio Fica, relativo à criação de um grupo criminoso organizado no topo do poder eslovaco.

Vale a pena acrescentar que o Procurador-Geral Maroš Žilinka interrompeu estes procedimentos em circunstâncias que suscitaram, para o dizer de forma suave, dúvidas justificadas.

Daniel Lipšic, o antigo diretor do Ministério Público Especial, argumentou em vão que a eficiência da instituição que dirige é superior a 90 por cento. Em vão, os deputados da oposição boicotaram a votação. A alteração foi aprovada. E está a ser acelerado.

Os eleitores vão perdoar muito

Pergunto a Tomáš Valášek, antigo embaixador da Eslováquia na NATO e antigo diretor da Carnegie Europe e atual vice-presidente da Eslováquia Progressista – o maior partido da oposição – como é possível que os eleitores da SMER sejam capazes de aceitar uma afirmação tão óbvia e vulgar de impunidade por parte dos políticos. Tanto mais que uma das primeiras decisões do novo governo foi aumentar os seus próprios salários. E é substancial, começando em 9.000. 10.000 euros por cada ministro. para o Vice-Primeiro-Ministro e ainda mais para o Primeiro-Ministro.

Pouco depois, em janeiro de 2024, o primeiro-ministro Fico comprou um apartamento de um milhão de euros em Bratislava (a um membro do seu próprio partido), sem se preocupar em explicar como pagou estes luxos. Em 2021, o seu escritório de advogados em Bratislava foi ass altado, tendo desaparecido 50.000 euros. Nas gravações divulgadas pela imprensa, Fico diz que não fez queixa à polícia porque não queria explicar onde tinha arranjado tanto dinheiro.

A oposição e as pessoas que a apoiam protestaram contra a alteração do Código Penal. E o que é que os eleitores da SMER pensam de tudo isto? – De acordo com as sondagens, até 70 por cento dos deles não o apoiam”, diz Valášek. – Mas os políticos votaram as mudanças de qualquer maneira. O cálculo é feito rapidamente, no início do período letivo. As eleições gerais estão muito longe, a três anos e meio de distância. Daqui a seis meses, toda a gente terá esquecido. De qualquer modo, mesmo agora, apesar do baixo apoio às decisões individuais, a SMER apenas desceu um ou dois pontos percentuais nas sondagens.

Toda a gente rouba

Durante a campanha, a SMER não escondeu o que ia fazer, ninguém ficou surpreendido. Como é que ele justificava os seus planos? – Reiteraram que houve violações durante o anterior governo. Que dezenas de pessoas foram falsamente acusadas, sem qualquer prova de culpa. Houve, sim, decisões judiciais que foram contestadas, mas foram sobretudo de natureza processual. Os arguidos não tiveram acesso suficiente aos seus próprios advogados.

O homem que atacou os manifestantes anti-Fica em Liptovský Mikuláš e – reconhecidamente a uma distância segura – gritou que os oposicionistas eram “agentes americanos”, e que se recusou a apresentar-se a mim, deu uma resposta mais simples.

– Todos os poderes roubam, e Fico, pelo menos, não finge ser modesto e que não faz nada por dinheiro”, respondeu. – O que ele tira, tira, mas o resto do dinheiro fica no país. Para os eslovacos, não para os judeus da América.

Ok, isto resolve o problema perene apontado pelos populistas, cujo nome é “todos os políticos roubam”, mas como é que Fico alcança – e de alguma forma alcança – esses 70 por cento? eleitores que não concordam com esta forma de colocar as coisas?

Falando com Valášek, pergunto-me se o partido Voz mais suave – a social-democracia do antigo primeiro-ministro Peter Pellegrini, que ele fundou depois de o SMER ter sido pomposamente expulso do poder, há quatro anos e meio, na sequência da convulsão social provocada pela morte do famoso agente de corrupção Kuciak e de uma onda de protestos – deveria atuar como um amortecedor neste caso. Após as eleições de 2023, Pellegrini entrou, juntamente com os nacionalistas da velha guarda do Partido Nacional Eslovaco, numa coligação com a SMER. É um favorito tão claro para as eleições presidenciais de março que se pode mesmo presumir antecipadamente a sua vitória.

– O apoio de Pellegrini aumentou em relação ao dia das eleições de há quatro meses, mas nós [Progressistas Eslovacos – nota da redação] também subimos, apesar de outros partidos da oposição terem visto o seu apoio diminuir”, diz Valášek.

– Será que se perdeu tudo o que a Eslováquia ganhou com o movimento anti-corrupção iniciado com a morte de Kuciak? – pergunto. – Nem tudo. Afinal de contas, as sentenças foram proferidas, as pessoas estão na prisão. Algumas destas penas podem ser reduzidas, mas não revogadas. Hoje sabemos muito mais sobre o que se passou durante o governo da SMER e o sistema corrupto que a formação construiu. Os processos tratados pela Procuradoria Especial serão agora distribuídos por outras procuradorias. Por isso, não diria que tudo está perdido, mas será certamente mais difícil levar à justiça os envolvidos em actos de corrupção no âmbito da Fica.

Tendências pró-Putin da SMER

A Comissão Europeia está obviamente preocupada com as alterações que o governo de Fica está a implementar. Também está preocupada com o que muitos descrevem como uma viragem pró-russa na política internacional, praticada pelos partidos da coligação governamental.

O próprio Primeiro-Ministro Fico afirma que a Ucrânia “não é um país totalmente soberano” porque é “totalmente dependente dos EUA”, enquanto a razão para a invasão russa foi a “loucura” de alguns ucranianos. Exige também o fim da “falsa demonização” de Vladimir Putin. Andrej Danko, vice-presidente do Parlamento eslovaco, considera que a Rússia não é o agressor, está apenas a defender os seus interesses e que “os russos vieram para estes territórios com a sensação de que estavam a ajudar a sua nação”.

Ľuboš Blaha, vice-presidente do parlamento da SMER e também filósofo e professor de extrema-esquerda, publica regularmente conteúdos pró-Kremlin e anti-ucranianos no seu perfil no Telegram. De vez em quando, tenta criar um ambiente de escândalo à sua volta. Entre outras coisas, fez sentir a sua presença nos meios de comunicação social. que o retrato da Presidente Zuzana Čaputová (referido por Fic como um “agente americano”) no seu gabinete parlamentar, substituído por um retrato de Che Guevara, e o facto de ter dado uma entrevista a um jornalista do canal de televisão estatal russo Rossiya1, na qual subscreveu os slogans anti-UE e anti-ucranianos que surgiram nos protestos dos agricultores eslovacos (a sua narrativa é em grande parte semelhante à dos manifestantes na Polónia). Na mesma entrevista, elogiou o tempo em que a Eslováquia podia comprar “gás barato à Rússia” e não, como agora, “gás caro à América”.

Blaha é também uma das pessoas que está a empurrar o SMER, um partido de poder cleptocrático bastante tradicional da Europa Central e de Leste, para o quadro muito mais sexy, pelo menos em alguns círculos, da esquerda (e por vezes da direita) da alt-esquerda populista. Pelo menos alguns dos editores do jornal polaco de esquerda New Citizen também parecem simpatizar com SMER (a julgar pelas suas publicações nas redes sociais), apesar de discordarem radicalmente dele em relação à guerra na Ucrânia.

Blaha interpreta o conflito russo-ucraniano no contexto da “luta entre a periferia menos desenvolvida e o centro explorador”, mas não matiza verdadeiramente estas questões, parecendo não ver nem a diferença na qualidade e atratividade da democracia russa e ocidental, nem as escolhas independentes dos países para estarem numa ou noutra esfera de influência. Em 19 de março de 2024, por exemplo, agradeceu no Telegram “aos corajosos jovens que representam a Eslováquia, os anti-fascistas amantes da paz” que participaram no Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes deste ano em Sochi, que foram “visitados pelo Presidente Putin e pelo Ministro Lavrov”, e chamou “hienas” aos membros da Eslováquia Progressista que os criticaram por isso. Estes jovens, segundo Blaha, simplesmente “amam a Rússia, a sua cultura e a sua história” e, só por isso, “são criminosos para os liberais”, enquanto “os bandidos ucranianos os ameaçam de morte só porque querem paz”.

O Slovaxit não será

O próprio Fico confraterniza com o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, pró-russo (ou, pelo menos, com tendência para o Kremlin), enquanto se encontrou com a parte ucraniana, mas com grande favoritismo e logo a seguir à fronteira eslovaca, em Uzhhorod, que pertenceu à Checoslováquia no período entre guerras.

No entanto, Fico não está interessado em envolver-se ativamente no conflito do lado russo. Utiliza a retórica anti-ucraniana sobretudo para ter cartas que possa sacrificar numa disputa com a Comissão Europeia, preocupada com a evolução do Estado de direito. Se for politicamente calculista para ele – deixa andar. Presta ajuda humanitária à Ucrânia e autoriza projectos civis com Kiev.

Tomáš Valášek, que foi representante da Eslováquia na NATO, quando lhe perguntaram se o seu país estava a abandonar o caminho euro-atlântico e da UE, gracejou. – Sem exagero. Sim, estão a prejudicar a nossa reputação no Ocidente, mas abandonar as estruturas ocidentais não é uma opção, como o foi para a Polónia sob o regime de Kaczynski. Espera-nos mais ou menos a mesma coisa que experimentou. Fico é demasiado inteligente para ameaçar a adesão da Eslováquia à União Europeia, porque a forma de mercado livre proporcionada pelo facto de fazer parte da aliança é a galinha dos ovos de ouro.

Acrescenta ainda que a Polónia tem uma forte procura interna, que impulsiona a economia. – É por isso que não houve sequer um trimestre de recessão durante a crise de 2009-2010. A estrutura económica da Eslováquia depende inteiramente das exportações e das importações. Somos um país onde se fabricam muitos automóveis, mais empresas automóveis estão a construir fábricas no nosso país e o investimento da Volvo numa fábrica de máquinas eléctricas está no horizonte. Fico precisa de uma economia forte, nem que seja para evitar ter de introduzir reformas profundas que afectariam todos os bolsos. Assim, manterá o “mínimo comunitário” necessário para ser um país que atrai investimentos. Sair da União significaria afugentar os investidores. De facto, basta olhar para o impacto económico do Brexit.

Num país da Europa Central, que ainda tem a reputação mundial de ser pós-comunista e, portanto, suspeito, os efeitos podem ser ainda mais graves. – Portanto, Fico vai fazer o que Orbán fez: ladrar muito e lutar menos”, diz Valášek. – Mas isto também prejudica a Eslováquia, porque se, tal como a Hungria ou a antiga Polónia, formos sobretudo uma força de bloqueio, como aconteceu no caso do pacto de migração, como irão reagir os outros países da União quando, devido aos acontecimentos na Ucrânia e nos EUA, surgirem subsídios gigantescos para a indústria de armamento e a Eslováquia vier à mesa pedir uma fatia do bolo?

Deve acrescentar-se que a indústria de armamento eslovaca continua a ganhar dinheiro com a venda de armas à Ucrânia. Fico tem sublinhado repetidamente que o seu país não vai continuar a armar Kiev, mas (tal como um liberal racial) não tem qualquer objeção a que as empresas eslovacas o façam.

A narrativa anti-ucraniana que prevalece em Bratislava conseguiu, no entanto, levar a uma deterioração das relações com Praga. De facto, o primeiro-ministro checo Petr Fiala anunciou a suspensão das consultas intergovernamentais anuais. A gota de água foi o encontro entre o ministro dos Negócios Estrangeiros eslovaco, Juraj Blanar, e o chefe do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov. Fico está a fazer guerra, transferindo as culpas para os checos. Segundo ele, o governo eslovaco “só fala de paz”, enquanto o governo checo pró-ucraniano está “interessado em apoiar a guerra na Ucrânia”.

A esquerda não corrompida está ausente, mas há liberais

Na Europa, existe também a preocupação com outro plano Fica, semelhante ao de Orbán na Hungria e, em certa medida, ao de Kaczynski na Polónia – trata-se de reformar os meios de comunicação social públicos com o objetivo de os politizar.

O lado da oposição da cena política eslovaca é dominado pela narrativa democrática, socialmente progressista e pró-ocidental, mas bastante liberal, da Eslováquia Progressista.

– Estamos a obter resultados cada vez melhores”, afirma Valášek. – E tendo em conta a afluência às manifestações que organizamos, parece que a tendência vai continuar. Trabalhamos bem em conjunto com os outros partidos da oposição, nomeadamente os democratas-cristãos do Movimento Democrata Cristão e os liberais do partido Liberdade e Solidariedade. Este facto põe em causa a teoria de que os liberais e os conservadores não podem trabalhar em conjunto. Temos algumas diferenças de opinião, por exemplo, no que se refere ao casamento homossexual, mas reconhecemos unanimemente que o Estado de direito é inalienável.

Os liberais eslovacos têm uma longa caminhada pela frente. Perante aqueles que sonham com uma esquerda não corrupta e pró-ocidental – ainda mais tempo.

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Financiado pela União Europeia. Os pontos de vista e opiniões expressos são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente os pontos de vista da União Europeia ou da Direção-Geral da Justiça, Liberdade e Segurança. Redes de comunicações, conteúdos e tecnologias. Nem a União Europeia nem o organismo de financiamento são responsáveis por eles.

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Ziemowit Szczerek

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